COROA DE SONETOS de MARIA JOÃO BRITO DE SOUSA,
LAURINDA RODRIGUES e RÓ MAR
AOS FUTUROS ENCANTADOS
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1
Aos encantados que um dia me cantem;
Mais tarde, assim que o tempo acenda a hora
De cantar quem partiu, quem foi embora,
Que sejais vós os que em versos me espantem.
Agora, aguardo apenas que levantem
A cortina de ferro da demora
Para encantar-me toda, como outrora,
Nas sementes dos versos que outros plantem.
No espaço deste tempo em que me sei,
Vou conservando em molho de luar
As sementes dos versos que plantei,
Rebentos qu`inda estão por rebentar
Na memória do verbo em que me dei
A vós, os encantados por chegar.
© Maria João Brito de Sousa
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2
"A vós, os encantados por chegar"
Não sei o que dizer que vos acalme.
O vosso brilho chega-me a cegar
A apontar o trilho que me salve.
Pareceu-me ser, tão só, fatalidade
Tanta inquietação, medo e tortura...
Mas, hoje, olhando bem a realidade,
Percebo que escolhi a senda escura.
E fiquei exultante ao entendê-lo
Porque, entendendo o mal, posso metê-lo
Numa mala e atirá-lo ao mar...
No mar cabem os males de todo o mundo
Que irão depositar-se bem no fundo
Deixando livre meu barco a navegar.
© Laurinda Rodrigues
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3
"Deixando livre meu barco a navegar"
P'las marés insinuas do Olimpo
Sei de que mais versos vêm ao mar,
Quiçá, à bolina dum céu mais limpo!
Num sideral espaço o declamar
Escutarei, dos deuses do Olimpo!
Minh´alma e meu olhar a rimar
O Planeta num outro mar pimpo!
Vos aplaudirei, Musas doutra Era
Que cultivarás no nobre pano
A tão cobiçada Primavera!
A vós, que poetais quotidiano
Por marés cultivando a quimera,
Os rebentos do mar soberano!
© Ró Mar
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4
"Os rebentos do mar soberano";
Vós, esses a quem passo o testemunho,
Não de um império poderoso, arcano,
Mas das pequenas coisas de outro cunho;
Lutas do dia a dia, de ano a ano,
De Janeiro a Janeiro, ou Junho a Junho,
Que não terminam nunca em desengano,
Pelas quais me levanto erguendo o punho.
Se em verso vos deixar também protestos,
Não os olheis como se fossem restos;
Poderão ser do poema a própria essência,
Talvez o seu motor e a sua meta...
Quem o sabe melhor do que um poeta
Que exalta, num só verso, Amor e Ciência?
© Maria João Brito de Sousa
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5
"Que exalta, num só verso, Amor e Ciência"
Em palavras que são sons musicais,
Porque é esse o sentido da existência
Dos poetas que são tradicionais.
A forma modelada com cautela
Reacende o prazer do verso eterno...
Quer entendam ou não, isso revela
A sintonia com o céu e com o inferno.
O poeta é um louco apaixonado
Que não teme ser lido nem violado
Por intenções de critica maldosa...
Tem a força do ar em vendaval
Comunica para além do que é real
E pode ser o espinho ou ser a rosa.
© Laurinda Rodrigues
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6
"E pode ser o espinho ou ser a rosa"
Duma arte desmedida de certo tino,
Que une vida e utopia em airosa
Harmonia desafiando o destino!
Tempo e contratempo numa prosa
Poética a ritmo, que compassa fino
Os decibéis da pauta volumosa
Das metáforas dum violino!
Compondo as silabas momentâneas
Através dos tempos numa memória,
Que é fiel às ditas contemporâneas!
Oscilando perplexo o astro poesia
Em alma inspirada, dota e espontâneas
Teias duma linguística de cortesia!
© Ró Mar
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7
"Teias duma linguística de cortesia"
Em que a razão vai estando harmonizada
C`o ouvido que tece a melodia
E as mãos que lhe grafam a toada.
Não poderão faltar, na sinfonia,
A paixão que lhe surge em galopada
E um não-sei-quê que toma a primazia
Antes da obra estar bem terminada.
E é desta união quase admirável
Que, enfim, nasce o soneto, esse improvável
Fruto de tudo aquilo que narrei
E de algo mais que julgo inenarrável,
Mas talvez possa vir a ser explicável
Ainda que confesse que o não sei...
© Maria João Brito de Sousa
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8
"Ainda que confesse que o não sei"
Porque razão respondo sempre em verso...
Há uma força em mim que não expliquei
Mesmo quando pergunto ao universo.
Talvez a minha alma tenha asas
Que voam para além no céu estelar
E sejam as estrelas minhas casas
Quando, à noite, tento dormitar.
Adivinhei então o meu destino
Este desprendimento de ter tino
Como a gente normal que me rodeia...
Não há nada de errado neste Ser:
Basta que seja Eu para acontecer
O verso na harmonia desta teia.
© Laurinda Rodrigues
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9
"O verso na harmonia desta teia"
É o ultimo de cada soneto,
Que une criando laços de poesia
Expressando o contexto concreto;
O tema é banhado em lua cheia
Ao longo de catorze e o ultimo soneto
É a chave da coroa, que recheia
Com o primeiro verso do primeiro soneto.
E eis que se define o poema-maior,
Onde as causas nobres são versadas
Em tom heróico e o ênfase é o amor,
Sobretudo o platónico, esmiuçadas
Em arte e engenho que tecem o amor
À vida pelos poetas dotados(as).
© Ró Mar
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10
"À vida pelos poetas dotados(as)"
Que teimam em cantar e ir encantando
Embora sejam eles os encantados
Por sortilégios que vão germinando
De mão em mão, nos versos partilhados,
De boca em boca, se outros vão cantando...
E haja guitarra que aguente estes fados
Ou coração que pulse ao seu comando!
Se o meu fraqueja e se a assustada Musa
Me foge, abandonando este seu posto,
Sou eu quem lhe recusa essa recusa,
Prendê-la-ei, não lhe darei tal gosto;
Como a génio de outrora, numa infusa
A manterei até que passe Agosto.
© Maria João Brito de Sousa
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"A manterei até que passe Agosto"
Símbolo do leão ou da leoa
Que são os reis do sol, nascente ou posto,
E sabem dizer "não!" àquilo que doa!
Porque à grandeza nem a morte ataca
E a poesia faz parte da grandeza
"Mens sana in corpore sano" se destaca
Quando recriamos lúcida pureza.
Talvez andemos todos enganados
Com o sentido de todos estes fados
Que assustam os mais fortes animais...
Mas não esqueçam da vida o sortilégio
Invocando o poeta José Régio
Quando teceu seus versos imortais.
© Laurinda Rodrigues
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"Quando teceu seus versos imortais"
Deixou o legado da prosa num verso
Que canta à nobreza dos nossos imortais,
Os poetas mais consagrados do universo;
Bem estruturado e escandido, jamais
Será vencido por um mundo disperso!
Mar qu' enfrento com meus ancestrais
Na serena epopeia de nobre berço.
Ah, Mor Sá de Miranda que formosa prenda
Ofertas-te em tempos ao meu Portugal!
Faz jus à língua de Camões e senda
A outros tantos que o tornam imortal,
Tão imortal qu' ele renasce e desvenda
Dia após dia mais paixão ao graal.
© Ró Mar
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"Dia após dia mais paixão ao graal"
Ou - por que não? - à fórmula perfeita
De se compor uma expressão verbal
Que há setecentos anos foi eleita
Por Da Lentini, que lhe lança o sal,
Por Petrarca que a lança já escorreita,
Por Dante que lhe alteia o pedestal
E lhe aconchega a cama em que se deita.
Abdicando de pompa e gongorismo,
Atravessou o mar do Modernismo
E no Pós-modernismo se adentrou
Com a firmeza e a serenidade
De quem traz equilíbrio e traz vontade
Pra somar à beleza que engendrou.
© Maria João Brito de Sousa
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"Para somar à beleza que engendrou"
Que atravessou o espaço secular,
Será arauto, num tempo que tardou,
De uma mensagem que chega para ficar.
Vai falar do amor desinteressado,
Do prazer da partilha do saber,
Entre gente que passa lado a lado
E não precisa, sequer, se conhecer.
Gente que quer sentir tranquilidade,
Uma alegria doce e até saudade
Na intenção genuína que levantem...
Pode ser que estas sejam frases tolas
Mas quero dar um ramo de papoilas
"Aos encantados que um dia me cantem".
© Laurinda Rodrigues
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COROA DE SONETOS AOS FUTUROS ENCANTADOS
Autores: Maria João Brito de Sousa, Laurinda Rodrigues
e Ró Mar.
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Horizontes da Poesia | 2020/07/25