domingo, 19 de julho de 2020

MEMÓRIA SEMÂNTICA


Imagem: Colors for you 



COROA DE SONETOS


de MARIA JOÃO BRITO DE SOUSA e RÓ MAR


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MEMÓRIA SEMÂNTICA


 (Soneto em verso alexandrino)


*

1

 O dia entra a sorrir e vai-se num bocejo…
Ainda mal o vejo e sem me desmentir
Quase me faz sentir que sou eu que o protejo
Quando me abraço ao Tejo antes do Tejo ir

 Ao mar que o engolir num abraço que invejo
Porquanto o que desejo é também conseguir
Como esse mar fundir num mesmo abraço ou beijo
Um derradeiro harpejo, e eu, quando a dormir

 Nesse harpejo fluir para não mais voltar
Que a hora há-de chegar como pra todos chega
Em que a vida delega o que hoje a faz pulsar

E se existe no mar um cais que nada nega
Todo o que em si navega há-de nele aportar;
A Memória é o lar depois de uma refrega!

© Maria João Brito de Sousa

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2

 "A Memória é o lar depois de uma refrega"
Requer extrema entrega e para o vento entrar
E fácil regular há que arrumar a adega,
O velho mar agrega outr´alma pra ficar!

 Ah, o milenário mar é braço que aconchega,
Filtrando o que nos cega em ondas de inovar!
É bom a aconselhar o dia que se renega
Viver o que carrega e sem o reclamar!

 O ser é raiz de estar, mas, a anciã que é estratega
Precisa de uma achega e para não minar
Para não refutar zela do que sossega!

 A Memória se apega, há muito pra contar,
A vida há-de finar, importa o que se prega,
É semente que rega a quem vem cultivar!

© Ró Mar 

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3

 "É semente que rega a quem vem cultivar",
Parapeito lunar em que o luar navega,
Vasilha que trasfega amor sem entornar
O que em si transportar quando em si o carrega.

Só resta o que lhe entrega esse que confiar
Naquilo que entregar. Depois... depois sossega
Que a Memória só nega o quanto lhe sobrar
Do sal do próprio mar, do mesmo azul que cega.

 Mas basta o que delega enquanto lhe couber
Guardar quanto puder, esquecer quanto excluir,
E sempre garantir poder dar a saber

Daquilo que escolher, o que é para seguir
Sem jamais denegrir o que ficou do ser;
Agora é só colher, agora é só fruir!

© Maria João Brito de Sousa

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4

 "Agora é só colher, agora é só fruir!"
Ah, saber usufruir e dividir saber
Só pode florescer, só se pode construir
E se a História sorrir é Memória a reter!

 Ah, querer é poder e tece o que há-de vir,
O que tece é provir, jamais dá que fazer
O que dá enriquecer e dá mais que é devir!

 O louvor há-de vir quando bem recolher
O que tem a colher e quando ela eclodir
É o amor que quer sorrir, é flor que há-de crescer!

 Ah, Tejo volta a ser mar que vem a sorrir!
O mar de ondas a fluir é arte na raiz do ser,
Momento que há-de ser, universo que há-de vir!

© Ró Mar

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5

 "Momento que há-de ser, universo que há-de vir"
E eu aqui a sorrir, que sabe tão bem ver
Alguém a perceber, alguém a conseguir
Erguer-se e construir o que quiser erguer!

Agora é pra vencer e para prosseguir;
A sílaba a fluir e o verso a nascer
Sempre darão prazer a quem os conduzir
E o verso a sorrir já começa a correr

Já começa a saber que não pode parar
E que há que navegar num mar que desconhece
Quando tudo parece um naufrágio apontar…

Porém sob um luar que a lua-cheia tece,
A viagem acontece e está quase a aportar
Ao cais quando chegar o dia que amanhece!

© Maria João Brito de Sousa

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6

"Ao cais quando chegar o dia que amanhece"
A Memória enaltece e o verso flui a voar
P´lo azul salgado do mar na barca qu' engrandece
O oceano que padece! Havemos de o cuidar,

Havemos de o cuidar como ele bem merece!
Pois, tudo o que esmorece é causa de prezar,
Temos de bem sarar pra não entrar em estresse,
O que a mente agradece aquando a hora chegar!

Havemos de brindar como ele bem merece,
Porque nunca se esquece o que ele ensina a amar!
O tempo a recordar é vida que se aquece!

É alma que abarca nesse eterno azul [a]mar,
Que havemos de voltar pra navegar por esse…
Mar que ora se adormece, ora vem despertar!

© Ró Mar

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7

"Mar que ora se adormece, ora vem despertar"
Se o pudesse eu curar... e se acaso pudesse
E ao encontrá-lo houvesse então como o limpar,
Forma de o decantar até que puro o desse

A quem do mar bebesse até dessendentar
A sede até fartar e logo o devolvesse
Ao leito em que coubesse e em que encontrasse lar
Para então descansar antes que perecesse…

A Memória enaltece aquilo que entender
E faz enaltecer o consciencializado
Que nela registado aguarda até poder

Agindo, responder ao que estiver errado
E o mar estando em mau estado entende socorrer;
Se há que ver para crer, há mar por todo o lado!

© Maria João Brito de Sousa

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8

"Se há que ver para crer, há mar por todo o lado"
Bastante mal tratado e é urgente perceber
O quanto há pra fazer pra sarar o mundo,
Para salvar tudo o que dá nosso viver!

Os peixes vão morrer e fina-se tudo!
Urge cuidar tudo, urge saber-se viver!
Saber viver é ser e aprender de tudo;
Urge mudar modo, urge cuidar de fazer!

Se viver dá prazer é mais de que o tudo,
Que de certo modo o certo é fazer o ser;
É o todo dum viver e dum certo modo!

Há modos e modo de ser, há ser e ser!
Se a Memória adoecer e se finar tudo!?
Urge acudir ao lodo e mudar o que houver!

© Ró Mar

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9

"Urge acudir ao lodo e mudar o que houver!"
Pois se o homem quiser há-de encontrar um modo
Ainda que use um rodo até o refazer
E o mundo há-de escolher ser um imenso todo!

Há-de ser rico em iodo, há-de oxigénio ter
E há-de enriquecer em vez de ser engodo
Para a avidez do rodo enquanto rodo houver
E enquanto mantiver todo este seu denodo.

Eu cá não me acomodo, ajo, procedo, faço
Aqui o meu pedaço, aquilo que me cabe
Para que bem acabe este horrendo ameaço;

Elevo a voz ao espaço em espaço que se sabe
Abrir-se ao que se gabe e se abra num abraço
Que aperta como um laço antes que a dor desabe.

© Maria João Brito de Sousa

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10

"Que aperta como um laço antes que a dor desabe"
No mar onde não cabe um sopro de ar no espaço;
Que alimente o que faço em renovar que acabe
Por superar o impasse, o que surripia o espaço!

A Memória há-de opor-se e recompor o passo!
E no desembaraço acalma o mar bem suave
Na poesia de alma e esquece o que aperta este laço,
Pois se me agrada faço e creio que há-de ser clave…

No elo que se enaltece e memoriza o abraço
Que agora faz o espaço e num singelo enlace
Aromatiza e tece o que estiliza o laço!

Se o laço quer abraço e o fado assim o trace,
O querer enaltece o lado que compasso,
Fina perene espaço! Ah, se ao leme voltasse!

© Ró Mar

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11

"Fina perene espaço! Ah, se ao leme voltasse"
E a Memória remasse ao som de outro compasso…
Porém faço e refaço a Barca em que embarcasse
O mais pequeno impasse... e tudo vejo baço:

A mão segue-se ao braço e ainda que a soltasse
Duvido que voltasse ao seu devido espaço,
Que esta mão já foi de aço e quem aço soldasse
Não vi, quer abundasse ou fosse raro, escasso.

Ergo-me. Traço a traço ouso redesenhar
Jangadas pelo mar e estrelas pelo céu
Ao qual retiro o véu que o anda a embaçar

E se outro véu teimar em tapar o que é meu
Terei um novo réu ao qual devo julgar:
Se em terra há mar e mar, também há céu e céu!

© Maria João Brito de Sousa

*

12

"Se em terra há mar e mar, também há céu e céu!"
Pra libertar o véu que se prende ao cantar
Uma outra trova p´lo ar, sei que prova o azul céu
Pra amar este pitéu e sei que há que acalmar!

Eu sei de que há outro mar, também há um outro céu
Pra unir o mar ao céu que estende a todo o mar
Numa passagem de ar que é paisagem: ilhéu;
Pra ser arranha-céu, eu sei também que há que amar!

Se houver p´la viagem mar também haverá céu
E antes que rompa o véu nublado: cinza/ mar,
Um outro céu vou amar e sacudir o véu…

Antes que o coruchéu lance alma cinza ao mar!
Eu sei que há que passar, também há um outro céu
E haverá vida em céu e haverá vida em mar!

© Ró Mar

*

13

"E haverá vida em céu e haverá vida em mar"
Assim que Zeus soltar o nobre Prometeu
Que um dia se atreveu a vir-nos ajudar
E a águia que o comeu há-de depois voar.

A Memória é um lar que um lar lhe concedeu
E honras lhe rendeu, que as de fantasiar
Também terão lugar num poema que é meu
E o mito não perdeu o direito a cantar

Que o estro, ao divagar, do mito se lembrou
E aqui o colocou pra que se não esquecesse
Um titã que enobrece o homem que ajudou.

A quem que o inventou, ninguém hoje conhece,
Mas este me parece um dos que amedrontou
O homem que passou e que o presente esquece.

© Maria João Brito de Sousa

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14

"O homem que passou e que o presente esquece"
O céu pouco merece, a humanidade deixou
Dividida e pecou! E agora o homem padece
E a terra se esmorece em ida que causou!

Ah, a vida que abusou é céu de que bem merece!
Se bem o fez merece a terra e o céu conquistou,
Também a quem o amou mal fez e o que o padece
É divindade e esquece! E Prometeu o perdoou!

E agora o que restou é poesia que fez sorrir;
É a história a prosseguir e o mito que velejo;
A Memória que harpejo antes do dia partir!

E o imortal vai existir num elo que une o Tejo!
E vai-se o estro em realejo e o astro entra pra luzir...!
"O dia entra a sorrir e vai-se num bocejo..."

© Ró Mar

*

Autores de Coroa de Sonetos "MEMÓRIA SEMÂNTICA":

Maria João Brito de Sousa e Ró Mar.

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Horizontes da Poesia | 2020/07/17