terça-feira, 28 de julho de 2020

"AH, UM SONETO…"





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COROA de SONETOS de RÓ MAR


"AH, UM SONETO…" de FERNANDO PESSOA


*

"AH, UM SONETO…"


Meu coração é um almirante louco
Que abandonou a profissão do mar
E que a vai relembrando pouco a pouco
Em casa a passear a passear…

No movimento (eu mesmo me desloco
Nesta cadeira, só de o imaginar)
O mar abandonado fica em foco
Nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas — esta é boa! — era do coração
Que eu falava... e onde diabo estou eu agora
Com almirante em vez de sensação?...

© Álvaro de Campos | Fernando Pessoa

****

"AH, UM SONETO…"

1

"Meu coração é um almirante louco",
Que navegou por mares em movimento
N' adversidade pré-destinada, com pouco
Contentamento num descontentamento!

Ah, minh' alma aventureira de que tampouco
Me orgulho de ter o leme em momento
D' olhar ousado à musa! Vento de louco,
Que faço neste fim de mundo sedento!?

Abalroado ao navio fundo,
Num mergulhar inusitado por um mar
Perplexo de desassossego que afundo!

Ah, tão só e sempre o mesmíssimo olhar,
Paredes siamesas com este mundo,
"Que abandonou a profissão do mar!"

2

"Que abandonou a profissão do mar"
Pois, o próprio meio o aconselhou
A viver uma vida mais pacata! Lar
Que é moradia d' ânimos o exaltou!

Um olhar nobre, enorme vontade d' amar,
Ou melhor, de ser o mor amado ofuscou
As janelas que têm maior vista pró mar
E num minuto o movimento faiscou!

Ah, triste sina! Esta minha lente baça
Navegando o mar alto..., naufrago por pouco,
A memória colmata tempo de desgraça...

A quem amou por esse mar de tão pouco
Existencialismo, olhando toda a graça
"E que a vai relembrando pouco a pouco!"

3

"E que a vai relembrando pouco a pouco"
Versando tão convincente quanto dor...
Distópico, fragmentado e quase louco,
O mesmíssimo causa fúria d' amor;
A paixão platónica... por tão pouco

Sustentada, tanto que amou e a dor
Da natureza formosa que o tem louco,
Amor duma vida quase imperador!

A persiana suspensa num torcicolo
Que m' adentra a espinha! Ah, falta-me o ar!
Então, ligo a ventoinha e descolo...

Imaginário qu' intruso... o descansar
De tudo o que oportuna meu consolo,
"Em casa a passear a passear…"

4

"Em casa a passear a passear…"
Deambulando p' las margens do meu rio
Humedeço o aparo em tinta azul-mar
Dum tempo que a vai amando a fio;

Fino traço de pele rosa do pomar,
Dum perfume único, de flor que crio
Nos rebentos da roseira; e têm olhar
Terno os seus botões, meu arrepio...

Ah, formosura vejo o tempo de amar
No presente! Como isto me deixa louco!?
E a letra fora da linha... a dealbar...

Deambular p'la folha branca num rebloco
De letras invisíveis, tais como o olhar
"No movimento (eu mesmo me desloco"...)

5

"No movimento (eu mesmo me desloco"
Nesta folha branca, só de o desenhar)
Sinto-me outro, quase novo e coloco
O lado enfadado no fundo do mar;

Mergulhado nas profundezas por um pouco
Não afogo! Há qu' aprender a nadar!
É crucial pra um Almirante, por pouco
Vi o céu do rés-do-chão a desmaiar...

Contudo, meu lado direito dos costados
Estava com disposição pra remar
E o vento propicio a floreados!

Ah, formosura tenho o dia para amar,
Vi as estrelas e os anjos espantados
("Nesta cadeira, só de o imaginar)"...

6

("Nesta cadeira, só de o imaginar)"
A minha memória galga o agrado
E invade espaço num novo despertar
Qu' alucina o dia; verve de amado...

Se nesta pré-destinada algo inspirar
Não olho pró outro lado que é o desolado;
Pode haver utopia mais nobre qu' amar!?
Só a real beleza que és, meu respirar...

A noite rompe estrelada no cinzento
E corro as persianas de madeiro oco
No movimento ente o firmamento...

Ah, o amor pedaço de vida sem troco!
Da sensação que ronda o momento,
"O mar abandonado fica em foco";

7

"O mar abandonado fica em foco"
Num pranto que me deixa deveras cansado
Para sonhar... e neste espaço sufoco,
Que me valha aquele ancião ditado:

"Deitar cedo e cedo erguer..."! E desloco
A minha moleirinha num almofadado,
Que consola a vista do que tanto desfoco
No movimento à noite daquele passado!

Do escritório ao quatro, martelo
Dois passos no carcomido patamar
Pelas traças do tempo... e depois... zelo

O desassossego num repousante mar
E o clarão do velho do Restelo
"Nos músculos cansados de parar";

8

"Nos músculos cansados de parar"
Exercito a outra alma de trapezista,
Qualquer coisa que passe por este meu ar
Bucólico e dê a volta ao artista...

Ah, malabarista, isto é que é dançar!
Sacudir os demónios da minha vista
E alucinar num normal passear...
Folhetinista de uma tal revista!?

Realmente isto é só ilusão,
Pois é, já lá vai o tempo dos abraços
E do pé de dança aquentando o coração;

Agora tudo é diferente nos laços
Que unem o universo e a construção...
"Há saudades nas pernas e nos braços";

9

"Há saudades nas pernas e nos braços"
De outrora, passeando no Rossio
Da minha Lisboa, elixir dos nossos
Antepassados e eu tanto aprecio...

Ah, quantos os passos... sapato de meus passos
Da Praça da Figueira à do Comércio
(Terreiro de Paço) engraxado nos grassos
Da Av. da Liberdade ao Rossio...

Desci-a a olhar prá esquerda e direita
Como um parafuso que enrosca na hora,
Senti o Tejo em casa e desta feita

Continuava p'los verdes azul afora...
Caminhos de ferro e a rua estreita,
"Há saudades no cérebro por fora."

10

"Há saudades no cérebro por fora."
A Estação do Rossio imponente
E à esquina o quiosque de outrora
Com o jornal do dia da cor que se sente...

Acelerava o passo p'la rua afora...
Ah, a sede daquelas gordas era premente!
E no Chiado sentava minha gente,
Na brasileira, o café de toda a hora;

E sempre saía um verso inédito,
Havia alma nos demais calorosos abraços
E distraidamente deixava mérito,

Que nem eu conhecia, coisas de pedaços
Meus! E agora só e o pretérito...
"Há grandes raivas feitas de cansaços."

11

"Há grandes raivas feitas de cansaços"
Que m' assoleiam a alma, quis o destino
Que assim fosse! E eu que nos tempos escassos
Fui senhor de colete e chapéu de tino;

Quanto infortúnio e má sorte em laços!
Ah, quão ingénuos os meus sentimentos
Num mar tão arauto! Vi os meus abraços
Meninos cresceram em mil tormentos...

O desassossego do desassossego
É meu, só meu! Vale a pena a paixão
Por ela ainda que não mereça apego!

Dediquei uma vida sem conclusão,
Num sentido... num sentido e fiquei cego,
"Mas — esta é boa! — era do coração"...

12

 "Mas — esta é boa! — era do coração"
Que eu falava..., da aldeia e da mocidade,
Onde passeio os dias da solidão,
Tem fonte fresca e toda a minha vaidade...

De olhos cor de mar, de bilha na mão
Lá vai ela ligeira, moça de idade,
P'las escadas que dão pró casarão,
Cautelosa e sem olhar a liberdade;

Confesso que corei e não era de hoje,
Calculo ser doença para toda a hora
E não canso de a olhar... e ela foge...

Entre dedos... Ah, Senhora da Boa-hora!
É do amor de outrora, não do de hoje
"Que eu falava... e onde diabo estou eu agora"!?

13

"Que eu falava... e onde diabo estou eu agora"!?
Quiçá, confins do mar perto de naufragar!
Amanhece e eu impróprio para a hora,
Atrasei o relógio a cochilar...

Paredes siamesas, lembrei o qu' agora
Tenho na memória para passear...
Vem à tona o mar, um navegar afora
E a tinta permanente a salpicar...

Vale a pena dar asas ao sonho,
O coração leme da embarcação,
Há razão no que oponho... componho...

Contemplar minha viagem de paixão
Num poema de futuro mais risonho,
"Com almirante em vez de sensação?..."

14

"Com almirante em vez de sensação?..."
E neste compasso tão descompassado
Movimento a pauta duma canção
Que me desloca do longínquo passado!

Ah, poetas, imortais da nação!
Como eu gostaria de escrever meu fado
Num poema são de letras e escanção,
Com cabeça, tronco e membros, com tudo...

Ah, se eu tivesse o meu amor menino!
Tudo era mais fácil para este mouco,
Que desafina as cordas do violino...

Neste fim de outono, inverno por pouco,
"Ah, um soneto...", é que era... era hino!
"Meu coração é um almirante louco".

© Ró Mar | 2020/07/27

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COROA de SONETOS de RÓ MAR

sábado, 25 de julho de 2020

AOS FUTUROS ENCANTADOS



COROA DE SONETOS de  MARIA JOÃO BRITO DE SOUSA,

LAURINDA RODRIGUES e RÓ MAR

AOS FUTUROS ENCANTADOS

***

1

Aos encantados que um dia me cantem;
Mais tarde, assim que o tempo acenda a hora
De cantar quem partiu, quem foi embora,
Que sejais vós os que em versos me espantem.

Agora, aguardo apenas que levantem
A cortina de ferro da demora
Para encantar-me toda, como outrora,
Nas sementes dos versos que outros plantem.

No espaço deste tempo em que me sei,
Vou conservando em molho de luar
As sementes dos versos que plantei,

Rebentos qu`inda estão por rebentar
Na memória do verbo em que me dei
A vós, os encantados por chegar.

© Maria João Brito de Sousa 

*

2

"A vós, os encantados por chegar"
Não sei o que dizer que vos acalme.
O vosso brilho chega-me a cegar
A apontar o trilho que me salve.

Pareceu-me ser, tão só, fatalidade
Tanta inquietação, medo e tortura...
Mas, hoje, olhando bem a realidade,
Percebo que escolhi a senda escura.

E fiquei exultante ao entendê-lo
Porque, entendendo o mal, posso metê-lo
Numa mala e atirá-lo ao mar...

No mar cabem os males de todo o mundo
Que irão depositar-se bem no fundo
Deixando livre meu barco a navegar.

© Laurinda Rodrigues

*

3

"Deixando livre meu barco a navegar"
P'las marés insinuas do Olimpo
Sei de que mais versos vêm ao mar,
Quiçá, à bolina dum céu mais limpo!

Num sideral espaço o declamar
Escutarei, dos deuses do Olimpo!
Minh´alma e meu olhar a rimar
O Planeta num outro mar pimpo!

Vos aplaudirei, Musas doutra Era
Que cultivarás no nobre pano
A tão cobiçada Primavera!

A vós, que poetais quotidiano
Por marés cultivando a quimera,
Os rebentos do mar soberano!

© Ró Mar 

*

4

"Os rebentos do mar soberano";
Vós, esses a quem passo o testemunho,
Não de um império poderoso, arcano,
Mas das pequenas coisas de outro cunho;

Lutas do dia a dia, de ano a ano,
De Janeiro a Janeiro, ou Junho a Junho,
Que não terminam nunca em desengano,
Pelas quais me levanto erguendo o punho.

Se em verso vos deixar também protestos,
Não os olheis como se fossem restos;
Poderão ser do poema a própria essência,

Talvez o seu motor e a sua meta...
Quem o sabe melhor do que um poeta
Que exalta, num só verso, Amor e Ciência?

© Maria João Brito de Sousa

*

5

"Que exalta, num só verso, Amor e Ciência"
Em palavras que são sons musicais,
Porque é esse o sentido da existência
Dos poetas que são tradicionais.

A forma modelada com cautela 
Reacende o prazer do verso eterno...
Quer entendam ou não, isso revela
A sintonia com o céu e com o inferno.

O poeta é um louco apaixonado
Que não teme ser lido nem violado
Por intenções de critica maldosa...

Tem a força do ar em vendaval
Comunica para além do que é real
E pode ser o espinho ou ser a rosa.

© Laurinda Rodrigues

*

6

"E pode ser o espinho ou ser a rosa"
Duma arte desmedida de certo tino,
Que une vida e utopia em airosa
Harmonia desafiando o destino!

Tempo e contratempo numa prosa
Poética a ritmo, que compassa fino
Os decibéis da pauta volumosa
Das metáforas dum violino!

Compondo as silabas momentâneas 
Através dos tempos numa memória,
Que é fiel às ditas contemporâneas!

Oscilando perplexo o astro poesia
Em alma inspirada, dota e espontâneas
Teias duma linguística de cortesia!

© Ró Mar 

*

7

"Teias duma linguística de cortesia"
Em que a razão vai estando harmonizada
C`o ouvido que tece a melodia
E as mãos que lhe grafam a toada.

Não poderão faltar, na sinfonia,
A paixão que lhe surge em galopada
E um não-sei-quê que toma a primazia
Antes da obra estar bem terminada.

E é desta união quase admirável
Que, enfim, nasce o soneto, esse improvável
Fruto de tudo aquilo que narrei

E de algo mais que julgo inenarrável,
Mas talvez possa vir a ser explicável
Ainda que confesse que o não sei...

© Maria João Brito de Sousa 

*

8

"Ainda que confesse que o não sei"
Porque razão respondo sempre em verso...
Há uma força em mim que não expliquei
Mesmo quando pergunto ao universo.

Talvez a minha alma tenha asas
Que voam para além no céu estelar
E sejam as estrelas minhas casas
Quando, à noite, tento dormitar.

Adivinhei então o meu destino
Este desprendimento de ter tino
Como a gente normal que me rodeia...

Não há nada de errado neste Ser:
Basta que seja Eu para acontecer
O verso na harmonia desta teia.

© Laurinda Rodrigues

*

9

"O verso na harmonia desta teia"
É o ultimo de cada soneto,
Que une criando laços de poesia
Expressando o contexto concreto;

O tema é banhado em lua cheia
Ao longo de catorze e o ultimo soneto 
É a chave da coroa, que recheia
Com o primeiro verso do primeiro soneto.

E eis que se define o poema-maior,
Onde as causas nobres são versadas
Em tom heróico e o ênfase é o amor,

Sobretudo o platónico, esmiuçadas
Em arte e engenho que tecem o amor
À vida pelos poetas dotados(as).

© Ró Mar 

*

10

"À vida pelos poetas dotados(as)"
Que teimam em cantar e ir encantando
Embora sejam eles os encantados
Por sortilégios que vão germinando

De mão em mão, nos versos partilhados,
De boca em boca, se outros vão cantando...
E haja guitarra que aguente estes fados
Ou coração que pulse ao seu comando!

Se o meu fraqueja e se a assustada Musa
Me foge, abandonando este seu posto,
Sou eu quem lhe recusa essa recusa,

Prendê-la-ei, não lhe darei tal gosto;
Como a génio de outrora, numa infusa
A manterei até que passe Agosto. 

© Maria João Brito de Sousa 

*

11

"A manterei até que passe Agosto"
Símbolo do leão ou da leoa
Que são os reis do sol, nascente ou posto,
E sabem dizer "não!" àquilo que doa!

Porque à grandeza nem a morte ataca
E a poesia faz parte da grandeza
"Mens sana in corpore sano" se destaca
Quando recriamos lúcida pureza.

Talvez andemos todos enganados
Com o sentido de todos estes fados
Que assustam os mais fortes animais...

Mas não esqueçam da vida o sortilégio
Invocando o poeta José Régio
Quando teceu seus versos imortais.

© Laurinda Rodrigues

*

12

"Quando teceu seus versos imortais"
Deixou o legado da prosa num verso
Que canta à nobreza dos nossos imortais,
Os poetas mais consagrados do universo;

Bem estruturado e escandido, jamais
Será vencido por um mundo disperso!
Mar qu' enfrento com meus ancestrais
Na serena epopeia de nobre berço.

Ah, Mor Sá de Miranda que formosa prenda
Ofertas-te em tempos ao meu Portugal!
Faz jus à língua de Camões e senda

A outros tantos que o tornam imortal,
Tão imortal qu' ele renasce e desvenda
Dia após dia mais paixão ao graal.

© Ró Mar 

*

13

"Dia após dia mais paixão ao graal"
Ou - por que não? - à fórmula perfeita
De se compor uma expressão verbal
Que há setecentos anos foi eleita
Por Da Lentini, que lhe lança o sal,

Por Petrarca que a lança já escorreita,
Por Dante que lhe alteia o pedestal
E lhe aconchega a cama em que se deita.

Abdicando de pompa e gongorismo,
Atravessou o mar do Modernismo
E no Pós-modernismo se adentrou

Com a firmeza e a serenidade
De quem traz equilíbrio e traz vontade
Pra somar à beleza que engendrou.

© Maria João Brito de Sousa 

*

14

"Para somar à beleza que engendrou"
Que atravessou o espaço secular,
Será arauto, num tempo que tardou,
De uma mensagem que chega para ficar.

Vai falar do amor desinteressado,
Do prazer da partilha do saber,
Entre gente que passa lado a lado
E não precisa, sequer, se conhecer.

Gente que quer sentir tranquilidade,
Uma alegria doce e até saudade
Na intenção genuína que levantem... 

Pode ser que estas sejam frases tolas
Mas quero dar um ramo de papoilas
"Aos encantados que um dia me cantem".

© Laurinda Rodrigues

*

COROA DE SONETOS AOS FUTUROS ENCANTADOS 

Autores: Maria João Brito de Sousa, Laurinda Rodrigues 
e Ró Mar.

***

Horizontes da Poesia | 2020/07/25

terça-feira, 21 de julho de 2020

TRANSFORMAÇÃO


TRANSFORMAÇÃO


A nossa vida está sempre em transformação
E um pequeno cacto acendeu-me um sinal
De que mesmo ociosa aceita a evolução
E a todo o momento aberta ao natural.

Ele nasce e se expande em espinhos e flores
Chamando a borboleta a tal renovação
Que vem toda atraída acesa em belas cores,
Beijar aquele odor, que dá germinação

E da flor que assim murcha emerge cicatriz
Contudo no lugar, um fruto avermelhado
Com grãos para criar uma nova matriz

E este coração que andava tão magoado
E minh´a alma perdida, ainda infeliz
Da sábia Natureza aceitam o recado

© Cida Vasconcellos

https://www.facebook.com/cidav

O SILÊNCIO LUGAR HABITADO


O silêncio: lugar habitado


Pleno de ideias, sonhos, utopias
Tantas magias, vividas, anseias
Que sejam a meias, sorrindo querias
Venham utopias, que bem as planeias!

Assim habitam, falam no silêncio
como um anúncio, imagens que gritam,
palavras cantam, um novo auspício.
Adventício? Sonhos que encantam…

Assim povoado, o silêncio escuta,
calmo e sem luta, sem ser alienado,
aquele ruído, o silêncio habita,

mesmo se grita, é um sussurro leve,
é rajada breve, que a todos agita
assim acredita que ao som nada deve!

© Maria do Rosário Serrado de Freitas

https://www.facebook.com/rosario.serradodefreitas

segunda-feira, 20 de julho de 2020

ESTE DIA...


ESTE DIA... 

NO MILHO COLHIDO...


Este dia que acordou e bem cedo é docinho,
De vento fininho e o sol que se espreguiçou
O lençol sobrevoou e ledo deu um beijinho
De bom-dia e carinho, elo que muito adoçou.

E assim se começou o dia que formou ninho
  Em precioso linho; assim o rol os olhou
 Em lençol que bordou e casou com jeitinho
O dia com o Milho airoso que debulhou;

Na natureza o apanhou e com tempo ensolarado
O dia vem de bom grado; o ganhou na beleza
Dum tempo de certeza, e que tem bom olhado.

No Milho colhido os dois bicam com certeza
Num grão da natureza, é pois, trilho que é amado;
É brilho fermentado e no pão olham riqueza.

© Ró Mar | 2020/07/20

https://ro-mar-poesia.blogspot.com/

domingo, 19 de julho de 2020

MEMÓRIA SEMÂNTICA


Imagem: Colors for you 



COROA DE SONETOS


de MARIA JOÃO BRITO DE SOUSA e RÓ MAR


*** 

MEMÓRIA SEMÂNTICA


 (Soneto em verso alexandrino)


*

1

 O dia entra a sorrir e vai-se num bocejo…
Ainda mal o vejo e sem me desmentir
Quase me faz sentir que sou eu que o protejo
Quando me abraço ao Tejo antes do Tejo ir

 Ao mar que o engolir num abraço que invejo
Porquanto o que desejo é também conseguir
Como esse mar fundir num mesmo abraço ou beijo
Um derradeiro harpejo, e eu, quando a dormir

 Nesse harpejo fluir para não mais voltar
Que a hora há-de chegar como pra todos chega
Em que a vida delega o que hoje a faz pulsar

E se existe no mar um cais que nada nega
Todo o que em si navega há-de nele aportar;
A Memória é o lar depois de uma refrega!

© Maria João Brito de Sousa

*

2

 "A Memória é o lar depois de uma refrega"
Requer extrema entrega e para o vento entrar
E fácil regular há que arrumar a adega,
O velho mar agrega outr´alma pra ficar!

 Ah, o milenário mar é braço que aconchega,
Filtrando o que nos cega em ondas de inovar!
É bom a aconselhar o dia que se renega
Viver o que carrega e sem o reclamar!

 O ser é raiz de estar, mas, a anciã que é estratega
Precisa de uma achega e para não minar
Para não refutar zela do que sossega!

 A Memória se apega, há muito pra contar,
A vida há-de finar, importa o que se prega,
É semente que rega a quem vem cultivar!

© Ró Mar 

*

3

 "É semente que rega a quem vem cultivar",
Parapeito lunar em que o luar navega,
Vasilha que trasfega amor sem entornar
O que em si transportar quando em si o carrega.

Só resta o que lhe entrega esse que confiar
Naquilo que entregar. Depois... depois sossega
Que a Memória só nega o quanto lhe sobrar
Do sal do próprio mar, do mesmo azul que cega.

 Mas basta o que delega enquanto lhe couber
Guardar quanto puder, esquecer quanto excluir,
E sempre garantir poder dar a saber

Daquilo que escolher, o que é para seguir
Sem jamais denegrir o que ficou do ser;
Agora é só colher, agora é só fruir!

© Maria João Brito de Sousa

*

4

 "Agora é só colher, agora é só fruir!"
Ah, saber usufruir e dividir saber
Só pode florescer, só se pode construir
E se a História sorrir é Memória a reter!

 Ah, querer é poder e tece o que há-de vir,
O que tece é provir, jamais dá que fazer
O que dá enriquecer e dá mais que é devir!

 O louvor há-de vir quando bem recolher
O que tem a colher e quando ela eclodir
É o amor que quer sorrir, é flor que há-de crescer!

 Ah, Tejo volta a ser mar que vem a sorrir!
O mar de ondas a fluir é arte na raiz do ser,
Momento que há-de ser, universo que há-de vir!

© Ró Mar

*

5

 "Momento que há-de ser, universo que há-de vir"
E eu aqui a sorrir, que sabe tão bem ver
Alguém a perceber, alguém a conseguir
Erguer-se e construir o que quiser erguer!

Agora é pra vencer e para prosseguir;
A sílaba a fluir e o verso a nascer
Sempre darão prazer a quem os conduzir
E o verso a sorrir já começa a correr

Já começa a saber que não pode parar
E que há que navegar num mar que desconhece
Quando tudo parece um naufrágio apontar…

Porém sob um luar que a lua-cheia tece,
A viagem acontece e está quase a aportar
Ao cais quando chegar o dia que amanhece!

© Maria João Brito de Sousa

*

6

"Ao cais quando chegar o dia que amanhece"
A Memória enaltece e o verso flui a voar
P´lo azul salgado do mar na barca qu' engrandece
O oceano que padece! Havemos de o cuidar,

Havemos de o cuidar como ele bem merece!
Pois, tudo o que esmorece é causa de prezar,
Temos de bem sarar pra não entrar em estresse,
O que a mente agradece aquando a hora chegar!

Havemos de brindar como ele bem merece,
Porque nunca se esquece o que ele ensina a amar!
O tempo a recordar é vida que se aquece!

É alma que abarca nesse eterno azul [a]mar,
Que havemos de voltar pra navegar por esse…
Mar que ora se adormece, ora vem despertar!

© Ró Mar

*

7

"Mar que ora se adormece, ora vem despertar"
Se o pudesse eu curar... e se acaso pudesse
E ao encontrá-lo houvesse então como o limpar,
Forma de o decantar até que puro o desse

A quem do mar bebesse até dessendentar
A sede até fartar e logo o devolvesse
Ao leito em que coubesse e em que encontrasse lar
Para então descansar antes que perecesse…

A Memória enaltece aquilo que entender
E faz enaltecer o consciencializado
Que nela registado aguarda até poder

Agindo, responder ao que estiver errado
E o mar estando em mau estado entende socorrer;
Se há que ver para crer, há mar por todo o lado!

© Maria João Brito de Sousa

*

8

"Se há que ver para crer, há mar por todo o lado"
Bastante mal tratado e é urgente perceber
O quanto há pra fazer pra sarar o mundo,
Para salvar tudo o que dá nosso viver!

Os peixes vão morrer e fina-se tudo!
Urge cuidar tudo, urge saber-se viver!
Saber viver é ser e aprender de tudo;
Urge mudar modo, urge cuidar de fazer!

Se viver dá prazer é mais de que o tudo,
Que de certo modo o certo é fazer o ser;
É o todo dum viver e dum certo modo!

Há modos e modo de ser, há ser e ser!
Se a Memória adoecer e se finar tudo!?
Urge acudir ao lodo e mudar o que houver!

© Ró Mar

*

9

"Urge acudir ao lodo e mudar o que houver!"
Pois se o homem quiser há-de encontrar um modo
Ainda que use um rodo até o refazer
E o mundo há-de escolher ser um imenso todo!

Há-de ser rico em iodo, há-de oxigénio ter
E há-de enriquecer em vez de ser engodo
Para a avidez do rodo enquanto rodo houver
E enquanto mantiver todo este seu denodo.

Eu cá não me acomodo, ajo, procedo, faço
Aqui o meu pedaço, aquilo que me cabe
Para que bem acabe este horrendo ameaço;

Elevo a voz ao espaço em espaço que se sabe
Abrir-se ao que se gabe e se abra num abraço
Que aperta como um laço antes que a dor desabe.

© Maria João Brito de Sousa

*

10

"Que aperta como um laço antes que a dor desabe"
No mar onde não cabe um sopro de ar no espaço;
Que alimente o que faço em renovar que acabe
Por superar o impasse, o que surripia o espaço!

A Memória há-de opor-se e recompor o passo!
E no desembaraço acalma o mar bem suave
Na poesia de alma e esquece o que aperta este laço,
Pois se me agrada faço e creio que há-de ser clave…

No elo que se enaltece e memoriza o abraço
Que agora faz o espaço e num singelo enlace
Aromatiza e tece o que estiliza o laço!

Se o laço quer abraço e o fado assim o trace,
O querer enaltece o lado que compasso,
Fina perene espaço! Ah, se ao leme voltasse!

© Ró Mar

*

11

"Fina perene espaço! Ah, se ao leme voltasse"
E a Memória remasse ao som de outro compasso…
Porém faço e refaço a Barca em que embarcasse
O mais pequeno impasse... e tudo vejo baço:

A mão segue-se ao braço e ainda que a soltasse
Duvido que voltasse ao seu devido espaço,
Que esta mão já foi de aço e quem aço soldasse
Não vi, quer abundasse ou fosse raro, escasso.

Ergo-me. Traço a traço ouso redesenhar
Jangadas pelo mar e estrelas pelo céu
Ao qual retiro o véu que o anda a embaçar

E se outro véu teimar em tapar o que é meu
Terei um novo réu ao qual devo julgar:
Se em terra há mar e mar, também há céu e céu!

© Maria João Brito de Sousa

*

12

"Se em terra há mar e mar, também há céu e céu!"
Pra libertar o véu que se prende ao cantar
Uma outra trova p´lo ar, sei que prova o azul céu
Pra amar este pitéu e sei que há que acalmar!

Eu sei de que há outro mar, também há um outro céu
Pra unir o mar ao céu que estende a todo o mar
Numa passagem de ar que é paisagem: ilhéu;
Pra ser arranha-céu, eu sei também que há que amar!

Se houver p´la viagem mar também haverá céu
E antes que rompa o véu nublado: cinza/ mar,
Um outro céu vou amar e sacudir o véu…

Antes que o coruchéu lance alma cinza ao mar!
Eu sei que há que passar, também há um outro céu
E haverá vida em céu e haverá vida em mar!

© Ró Mar

*

13

"E haverá vida em céu e haverá vida em mar"
Assim que Zeus soltar o nobre Prometeu
Que um dia se atreveu a vir-nos ajudar
E a águia que o comeu há-de depois voar.

A Memória é um lar que um lar lhe concedeu
E honras lhe rendeu, que as de fantasiar
Também terão lugar num poema que é meu
E o mito não perdeu o direito a cantar

Que o estro, ao divagar, do mito se lembrou
E aqui o colocou pra que se não esquecesse
Um titã que enobrece o homem que ajudou.

A quem que o inventou, ninguém hoje conhece,
Mas este me parece um dos que amedrontou
O homem que passou e que o presente esquece.

© Maria João Brito de Sousa

*

14

"O homem que passou e que o presente esquece"
O céu pouco merece, a humanidade deixou
Dividida e pecou! E agora o homem padece
E a terra se esmorece em ida que causou!

Ah, a vida que abusou é céu de que bem merece!
Se bem o fez merece a terra e o céu conquistou,
Também a quem o amou mal fez e o que o padece
É divindade e esquece! E Prometeu o perdoou!

E agora o que restou é poesia que fez sorrir;
É a história a prosseguir e o mito que velejo;
A Memória que harpejo antes do dia partir!

E o imortal vai existir num elo que une o Tejo!
E vai-se o estro em realejo e o astro entra pra luzir...!
"O dia entra a sorrir e vai-se num bocejo..."

© Ró Mar

*

Autores de Coroa de Sonetos "MEMÓRIA SEMÂNTICA":

Maria João Brito de Sousa e Ró Mar.

***

Horizontes da Poesia | 2020/07/17

segunda-feira, 13 de julho de 2020

A MEIO DUMA TARDE... ATÉ AO LUAR!




COROA DE SONETOS DE RÓ MAR


*

A MEIO DUMA TARDE...


ATÉ AO LUAR!


1

A meio duma tarde... o calor transborda
E nada melhor do que refrescar memória
Num cubo de gelo de poesia e dar corda
Ao relógio... Tempo de outra oratória!

Abrir todas as janelas para a tarde içar
Em silabas frutadas, ventilar o Estio
Em almas... Renovável singeleza a par
De taças inaugurando novo brio!

Poética com métrica que serve o verão
Ao mundo que dela ouse desfrutar
O solstício com mais imaginação!

Venha gente de todas as eras rematar
Este final de tarde, em que pouso a mão
Numa tal natureza que promete amar!

2

Numa tal natureza que promete amar
Encontro o mote pra continuar a safra
Num frescor! A cereja na cesta a rimar
Refrescar com escaldar da parede de Mafra!

Tarde a amanhecer nos sabores do verso
Dum uno tempo, à janela a labareda 
Que rege vidas num delicioso berço!
A merendar tal proeza quedo-me leda!

Ah, alma dotada que me prende ao poema!
Numa tarde de verão peço desejo
Fresquinho, digno duma tela de cinema! 

E a boca adoça num vai e vem o beijo,
Do campo à cidade uno teorema
A completar a roda-vida em cortejo!

3

A completar a roda-vida em cortejo
Tomo um suco de época, frutos diversos
E umas pedrinhas de gelo do Tejo,
O tórrido da tarde a destilar versos!

Ah, mar de nobre alma e sabor salgado
 Nas tuas ondas vou espelhar o meu olhar!
Conto trazer a boa-nova do amado,
Pelas pedrinhas do areal vou procurar!

Conchas e algas marinhas levo ao coração
Num colar feito de amor e mui louvor
Noutros tempos por nossa prendada paixão!

A taça está quase vazia e o calor!?
Maré alta e gelo em vias de decomposição,
Nem as pedras salgadas salvam de dissabor!

4

Nem as pedras salgadas salvam de dissabor!
Quem disse tal barbárie pouco descansou,
Adormeceu por momentâneo vapor
Que transmutava as águas qu' o refrescou!

Eis-lo aqui e d' olho bem regalado!
Pudera tomou mais cafezito à tarde,
Xícara açucarada pelo amado
E o vento fresco sopra na pele qu' arde!

Ah, tamanho escaldão! Pró que me deu
Passar p'las brasas, aos quarenta graus,
Folhas de papel almaço que m' escreveu!

Em tempo que a candeia era una luz
E as folhas meio tostão com cunho seu
Silabavam a tinta permanente...! Ai-Jesus!

5

Silabavam a tinta permanente...! Ai-Jesus!
Ai, vinham de ceroulas banhar seus pés
Nas águas do Tejo à média luz
E lá s' empertigavam letras Ás a Zés!

Ah, tem certa piada, contudo pra rimar
Com o tempo actual têm que usar máscara,
Qualquer coisa por direito a veranear
Nas esplanadas, pois, vai mais uma xícara!?

Numa tal balburdia convém bem zelar
Os nossos! Escritos com todo o esmero
Meus versos circulam livres pelo ar!

Esta tarde de calor comporta exagero
E tal como os passarinhos vamos voar
Ao planeta verde que se diz sincero!

6

Ao planeta verde que se diz sincero
Gostava de dar uma palavrinha nova!
Pra acrescentar vocabulário o paquero
Numa palete verde esmeralda em trova!

É outra cantiga que ouso no soneto
[Que muito m' apraz dar sempre continuidade],
Independente da coloração do momento
Tem o tom popular duma comunidade!

Mas, é de verde sempre qu' a menina-do-olho
Mira toda a beleza duma natureza
Diferente! Ah, Menina, resguarda teu olho!

O vendaval traz-te poeira com certeza,
Protege teu sonho, não o deixes num molho
Perdido p'lo campo de certa incerteza!

7

Perdido p'lo campo de certa incerteza
 Encontrou um desfecho prá tarde de verão
Numa outra paisagem também portuguesa
E o final do dia ferve até ao serão!

Está na hora d' intervalar o jantar
Com o Rosé a sair da geladeira
E dar volta no contexto pra cozinhar
A deliciosa sobremesa caseira!

Quiçá, serícaia pra adoçar o amado!
E eu que adoro tal iguaria faço
Da poesia doce tão cobiçado!

A noite entra de mansinho p'lo espaço
Das metáforas e eu que havia imaginado
Vista pró mar e céu luado renasço!

8

Vista pró mar e céu luado renasço
O verso valsando verão escaldante
Nas entrelinhas deste poema enlaço
Com carinho e vontade de ter o amante!

Mui procurei nas pedrinhas do areal
E nada achei... o vento levou tudo,
Ou, quase tudo! Foi o principal
E o papel secundário reservado!

Minh' alma ao destino encontrou a razão
Num outro fado e a minha sina rema
Nos braços melódicos qu' encantam o coração!

 Idolatrando o silêncio cresce o poema,
Que vou pintando e compondo de verão
Fresquinho, digno duma tela de cinema!

9

Fresquinho, digno duma tela de cinema
É o luar icónico! O slide de verão
Ao pôr do sol faz a lua crescer o tema
Em versos de palmo e meio ao serão!

Extasiada com tão belo cenário
A memória retém o meu coração
Além mar num suculento imaginário,
Que adormece as sílabas e sonharão!

Ah, castelo plantado no céu anilado
P'la mão do artista que sabe decore
A casa do amor tem cavalo premiado!

O puro lusitano, porte de condor,
Crina entrançada em fita verde prado
E vento azul turquesa de nobre flor!

10

E vento azul turquesa de nobre flor
É talismã desejado, frescor perfumado
Qu' invade o espaço e confronta a dor
D' alma pelo coração despedaçado!

Ah, estrela guia ilumina o caminho
Prá Musa de séculos chegar a reinar
Este singelo trono de pergaminho
E desfrutar o verão em coroa ao luar!

Duns versos soletrados a meio da tarde
Nasce uma noite em Julho de flor d' açucena
E a amada passeará a trote o 'Abade'...!

O esbelto cavalo branco entra em cena,
O filme vai começar e é de qualidade!
Oh, esqueci de fazer pipocas, temos pena!

11

Oh, esqueci de fazer pipocas, temos pena!
Eu nem aprecio muito e quem gostar
Tem cozinha à disposição prá cantilena!
Mãos à obra que tenho que rebobinar...

Metros de película e mor poesia
Prá Musa revelar o segredo do luar!
Vestia saia plissada de versos, cortesia
Da blusa ousada d´ organdi a rimar...!

O jardim plantado p'las estrelas do dia,
Noite calma scriptando íris de desejo
E espelhando o écran que por aqui havia!

A Musa formosa atravessando o Tejo,
Ponte atravessada e o castelo luzia!
Ah, lua Menina adormeço teu beijo!

12

 Ah, lua Menina adormeço teu beijo
Ao colo da fada madrinha a sonhar,
Grávida d' esperança do que almejo
 E o 'Abade' a meu lado a repousar!

Pausa bem merecida após tanto tempo
A trotear! Sonhamos o amanhecer,
Outro dia pra viver, sem contratempo
E com vontade de cultivar pra crescer!

Minha mão repousa o papiro ousado,
As palavras meditam no raio de luz
E o verão espreguiça encalorado!

No castelo plantado no céu que compus
A noite estrelada alumia o desejado
A sonhar com o mundo em berço de luz!

13

A sonhar com o universo em berço de luz
Só pode acordar de bem com a vida e ser,
Fazer o mundo girar pelo que produz
[Prazer global] e a toda a hora agradecer...

Por mais um dia e por tudo o que a vida dá!
Cedinho começa o dia e p'la fresquinha,
É o que se quer pra ver no que é que isto dá!
O Sol já anda a espreitar a escrivaninha...

Até ao meio-dia está do lado de lá!
Tranquila manhã, tomo o café na cozinha,
Sem pensar no que por lá vai, fico por cá!

Há outros afazeres e minha madrinha
Só vem pró chá, p'las cinco da tarde está cá!
Ainda faço o bolo de canela e canjinha!

14

Ainda faço o bolo de canela e canjinha
Pró jantar, antes de minha fada chegar!
E até ao luar o mistério mantinha
O leque pomposo prá casa ventilar!

Oh, 'Abade' que grande soneca, vamos lá
Mandrião, fiz-te um suco de cenoura!
Até arregala a crina, que feliz está!
E agora vamos lá pentear que é loura!

Mas, onde guardas-te o segredo Menina!?
No 'Abade' [alter], no Mar!? A fina corda
 Para treinar a arte d' enlaçar real CRINA*

É fita verde prado que das silabas borda
Luar e o poema começa p´la surdina
  A meio duma tarde... o calor transborda!

*COROA AO LUAR*

 © Ró Mar | 2020/07/13

https://ro-mar-poesia.blogspot.com/

sexta-feira, 3 de julho de 2020

A CHAVE




COROA DE SONETOS


Autores: Maria da Encarnação Alexandre [MEA], Ró Mar,
Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues.

****

A CHAVE


1

Contam-se os meses não sabendo os dias
E inventam-se as horas, no bater
Dum sino, que não sabe as alegrias,
Nem penas que se querem combater

E fala-se das festas, romarias
Engolindo-se o tempo sem haver...
E, segurando o sol nas mãos vazias
Caminha-se na vida por fazer...

O sono faz-se em noites de demora
Com luas sem aquela luz de outrora
A iluminar abraços sem entrave...

Conta alguém os abraços que não deu,
Ou dias que sem horas já perdeu?
E quantos mais até que se ache a chave?

© MEA

2

"E quantos mais até que se ache a chave?"
Os dias de destempero ao desnorte...
A perspectiva um tanto ou quanto grave
Do salve-se quem puder e tiver sorte!

E fala-se das festas de rompante
Engolindo-se o verbo pela cave
Dos bem-sucedidos num ruminante
Desabafo, que intimida qualquer ave!

O sonho perde a graça a toda a hora
E é de madrugada que insinua a clave
Do inacabado num vento d' outrora! 

Lembra d' alguém que ainda não perdeu
E em letra sincopada, de textura suave,
Lê-se o interregno e que não o esqueceu!

© Ró Mar 

3

"Lê-se o interregno e que não o esqueceu"
Sabendo só que o tempo já perdido
É sempre tempo que se não viveu
E fica a dúvida a fazer sentido

Na chave que o sentido não perdeu
Por mais que a fechadura tenha sido
O paradigma que hoje nos prendeu
Na procura daquilo que foi tido

E depois de perdido nos doeu
Muito, mas muito mais que o concebido
Por um qualquer presságio, teu ou meu.

E a busca passa a gesto desmedido
Que vai além de mar e terra e céu;
Onde é que a Chave se terá metido?

© Maria João Brito de Sousa 

4

"Onde é que a chave se terá metido?"
Tropecei nela e nem sequer a vi?
O meu espírito andava distraído
Com tantas aflições que já vivi.

Mas preciso da chave. Quero a chave
E não desisto; é esse o meu destino!
Não há nenhuma mágoa que me trave:
Tenho a vontade pura de um menino.

E, a brincar, vou conseguir achá-la
E, depois, ou escondê-la numa mala
Senão volto a perdê-la, é coisa certa...

Não sinto inquietação se me atrasar
Porque o tempo que ainda irei esperar,
Já não conta, depois da porta aberta.

© Laurinda Rodrigues

5

“Já não conta depois da porta aberta”
A menos que mais portas de passagem
Se fechem neste tempo, que acoberta
A nova direcção desta viagem

Que nos fecha, sem chave, neste alerta
Chegado aqui com estranha camuflagem...
E enquanto se procura a chave certa,
Tentam-se muitas chaves... de coragem...

Talvez até nem haja chave exacta
E, havendo não se saiba se é de prata
Ou de ferro, já velho e oxidado

Mantendo-se fechada cada porta...
Mas, se houver chave mestra, mesmo torta
Há-de o tempo ficar mais animado!

© MEA 

6

"Há-de o tempo ficar mais animado!"
E o dilema persiste sem fim à vista,
Mas somos muito mais que o segredo
Que nos assoleia a alma e cansa a vista!

Sabemos o quanto temos penado,
Mas não cruzamos os braços à desdita,
Ainda que distantes estamos lado a lado
E é essa força que se move e crepita...

A luz ao fundo do túnel não se avista,
Contudo ambos sabemos que o fado
Embora triste é vida que conquista!

E a partitura do enigma cobiçado?
Entretanto temos o que devora a pista
Na cegueira ao século passado!

© Ró Mar 

7

"Na cegueira do século passado"
Houve também quem chaves procurasse
Pra fechadura ou mesmo cadeado
De cela de prisão que o sufocasse

E houve mesmo outro vírus malfadado
Que aos milhões dizimava quem calhasse
E a guerra que se houvera suportado
Deixara o mundo inteiro em grande impasse.

Há sempre chave e há sempre solução,
Que esse que luta nunca luta em vão,
E as portas vão-se abrindo lentamente.

Saibamos encontrar no coração
Um lugar pró bom-senso e prá razão
Que a Chave vem do chão, como a semente!

© Maria João Brito de Sousa

8

"Que a chave vem do chão como a semente"
E há sempre quem não vê, quando procura, 
Não é por mal! Talvez seja demente
Que não sabe se é chave ou fechadura.

Afinal, a diferença pouco importa
Se não costumo ter porta fechada...
Haverá sempre alguém que bate à porta
Simplesmente por ser bem educada.

Vai avisar-nos que a porta estava aberta
E a prudência exige estar alerta 
Em relação aos males tão divulgados...

Será que sou assim irresponsável?
Mas ser refém do medo é impensável
Porque o medo destrói os assustados.

© Laurinda Rodrigues

9

“Porque o medo destrói os assustados”
E os assustados geram outros medos
Que não há fechadura ou cadeados
Onde se encaixe a chave dos segredos

Onde estão os desfechos não achados...
E, havendo quem recorra à fé ou credos
Por se verem assim mais amparados
Nem assim essa chave está nos dedos

De quem tanto a demanda ou a procura
Por horas e por dias de amargura
Sentindo parco, o êxito atingido

Porque a chave, ela teima em se esconder
E o mundo tem o tempo a se perder
Dentro desse caminho sem sentido

© MEA 

10

"Dentro desse caminho sem sentido"
São tantas as voltas que lhe dão
Que a fechadura encrava o desprovido
E escancara a miséria e solidão!

De boa vontade está o mundo cheio,
Mas o ferrolho é velho por excelência!
Cabe-nos a tarefa de semear centeio
Mais que a conta pra evitar carência

E de aproveitar a fresta concedida
Pra arejar ideias e pôr mãos à obra,
Certos que a mudança é a lei da vida!

Quiçá Chave seja questão de manobra!
E com cautela enfrentamos a ferida
Que por via de não sarar soçobra!

© Ró Mar 

11

"Que por via de não sarar soçobra"
E perde o nexo, não mais faz sentido
A chaga aberta que tanto nos cobra
E a porta que se fecha sem ruído.

Porém nem tudo é negro e já recobra
O bicho-homem que andava perdido
Nos labirintos em que se desdobra
Depois de ter chorado e ter sofrido;

A Chave anda desfeita em mil pedaços
Mas há recursos, muito embora escassos,
Para a colarmos juntos, peça a peça

Nesse sentido se vão dando passos
E até os egoístas criam laços
Pra restaurar-se a Chave mais depressa.

© Maria João Brito de Sousa 

12

"Pra restaurar-se a chave mais depressa"
Esqueceram de tratar da fechadura
Que já antes rangia na travessa
Onde entraria a chave mais segura.

A vida é causa e efeito, relação
Que urge descobrir com segurança,
Para, no futuro, qualquer reparação
Não ser motivo para nós de esperança.

Andam os homens a inventar ciência
De onde é sabido renascer experiência
Para a humanidade evoluir...

Mas, se a chave na ciência se encontrar,
Será a fechadura a comandar
A forma como a chave vai abrir.

© Laurinda Rodrigues

13

“A forma como a chave vai abrir”
Terá talvez a formula secreta
Que nem todos, igual irão sentir,
Que em si a mesma chave se completa

Um dia, longe ou perto, há-de haver meta
Que, da achar, não iremos desistir
Enquanto houver um canto do planeta
Disposto a dar-nos força e, conseguir

Que haja chave que a todos desencarcere
Pró tempo em que há sorriso que sugere
Ser o abraço a melhor chave da vida

Que é nele que se alcança paz e amor
E em cada dia nasce nele a flor
Da esperança que queremos renascida

© MEA 

14

"Da esperança que queremos renascida"
Em cada um e em todos em conjunto,
Vamos vivendo a nova e estranha vida
Que faz da Chave o principal assunto

E à busca mais ou menos conseguida
Soma-se uma lembrança; algum defunto
Tombado antes da hora da partida,
Antes de tudo quanto aqui pergunto:

Onde encontrar a Chave, a salvação,
Essa que eu sinto que nasce do chão
C`oa força imensa das plantas bravias?

E enquanto alguns de nós caindo vão,
Outros fazem das tripas coração;
"Contam-se os meses não sabendo os dias".

© Maria João Brito de Sousa

****

Autores de Coroa de Sonetos "A CHAVE"
Maria da Encarnação Alexandre [MEA], Ró Mar, 
Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues.

Horizontes da Poesia | 2020/07/03

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  COROA DE SONETOS "A CHAVE":
Video de Cida Vasconcellos