COROA DE SONETOS
Autores: Maria da Encarnação Alexandre [MEA], Ró Mar,
Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues.
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A CHAVE
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Contam-se os meses não sabendo os dias
E inventam-se as horas, no bater
Dum sino, que não sabe as alegrias,
Nem penas que se querem combater
E fala-se das festas, romarias
Engolindo-se o tempo sem haver...
E, segurando o sol nas mãos vazias
Caminha-se na vida por fazer...
O sono faz-se em noites de demora
Com luas sem aquela luz de outrora
A iluminar abraços sem entrave...
Conta alguém os abraços que não deu,
Ou dias que sem horas já perdeu?
E quantos mais até que se ache a chave?
© MEA
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"E quantos mais até que se ache a chave?"
Os dias de destempero ao desnorte...
A perspectiva um tanto ou quanto grave
Do salve-se quem puder e tiver sorte!
E fala-se das festas de rompante
Engolindo-se o verbo pela cave
Dos bem-sucedidos num ruminante
Desabafo, que intimida qualquer ave!
O sonho perde a graça a toda a hora
E é de madrugada que insinua a clave
Do inacabado num vento d' outrora!
Lembra d' alguém que ainda não perdeu
E em letra sincopada, de textura suave,
Lê-se o interregno e que não o esqueceu!
© Ró Mar
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"Lê-se o interregno e que não o esqueceu"
Sabendo só que o tempo já perdido
É sempre tempo que se não viveu
E fica a dúvida a fazer sentido
Na chave que o sentido não perdeu
Por mais que a fechadura tenha sido
O paradigma que hoje nos prendeu
Na procura daquilo que foi tido
E depois de perdido nos doeu
Muito, mas muito mais que o concebido
Por um qualquer presságio, teu ou meu.
E a busca passa a gesto desmedido
Que vai além de mar e terra e céu;
Onde é que a Chave se terá metido?
© Maria João Brito de Sousa
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"Onde é que a chave se terá metido?"
Tropecei nela e nem sequer a vi?
O meu espírito andava distraído
Com tantas aflições que já vivi.
Mas preciso da chave. Quero a chave
E não desisto; é esse o meu destino!
Não há nenhuma mágoa que me trave:
Tenho a vontade pura de um menino.
E, a brincar, vou conseguir achá-la
E, depois, ou escondê-la numa mala
Senão volto a perdê-la, é coisa certa...
Não sinto inquietação se me atrasar
Porque o tempo que ainda irei esperar,
Já não conta, depois da porta aberta.
© Laurinda Rodrigues
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“Já não conta depois da porta aberta”
A menos que mais portas de passagem
Se fechem neste tempo, que acoberta
A nova direcção desta viagem
Que nos fecha, sem chave, neste alerta
Chegado aqui com estranha camuflagem...
E enquanto se procura a chave certa,
Tentam-se muitas chaves... de coragem...
Talvez até nem haja chave exacta
E, havendo não se saiba se é de prata
Ou de ferro, já velho e oxidado
Mantendo-se fechada cada porta...
Mas, se houver chave mestra, mesmo torta
Há-de o tempo ficar mais animado!
© MEA
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"Há-de o tempo ficar mais animado!"
E o dilema persiste sem fim à vista,
Mas somos muito mais que o segredo
Que nos assoleia a alma e cansa a vista!
Sabemos o quanto temos penado,
Mas não cruzamos os braços à desdita,
Ainda que distantes estamos lado a lado
E é essa força que se move e crepita...
A luz ao fundo do túnel não se avista,
Contudo ambos sabemos que o fado
Embora triste é vida que conquista!
E a partitura do enigma cobiçado?
Entretanto temos o que devora a pista
Na cegueira ao século passado!
© Ró Mar
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"Na cegueira do século passado"
Houve também quem chaves procurasse
Pra fechadura ou mesmo cadeado
De cela de prisão que o sufocasse
E houve mesmo outro vírus malfadado
Que aos milhões dizimava quem calhasse
E a guerra que se houvera suportado
Deixara o mundo inteiro em grande impasse.
Há sempre chave e há sempre solução,
Que esse que luta nunca luta em vão,
E as portas vão-se abrindo lentamente.
Saibamos encontrar no coração
Um lugar pró bom-senso e prá razão
Que a Chave vem do chão, como a semente!
© Maria João Brito de Sousa
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"Que a chave vem do chão como a semente"
E há sempre quem não vê, quando procura,
Não é por mal! Talvez seja demente
Que não sabe se é chave ou fechadura.
Afinal, a diferença pouco importa
Se não costumo ter porta fechada...
Haverá sempre alguém que bate à porta
Simplesmente por ser bem educada.
Vai avisar-nos que a porta estava aberta
E a prudência exige estar alerta
Em relação aos males tão divulgados...
Será que sou assim irresponsável?
Mas ser refém do medo é impensável
Porque o medo destrói os assustados.
© Laurinda Rodrigues
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“Porque o medo destrói os assustados”
E os assustados geram outros medos
Que não há fechadura ou cadeados
Onde se encaixe a chave dos segredos
Onde estão os desfechos não achados...
E, havendo quem recorra à fé ou credos
Por se verem assim mais amparados
Nem assim essa chave está nos dedos
De quem tanto a demanda ou a procura
Por horas e por dias de amargura
Sentindo parco, o êxito atingido
Porque a chave, ela teima em se esconder
E o mundo tem o tempo a se perder
Dentro desse caminho sem sentido
© MEA
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"Dentro desse caminho sem sentido"
São tantas as voltas que lhe dão
Que a fechadura encrava o desprovido
E escancara a miséria e solidão!
De boa vontade está o mundo cheio,
Mas o ferrolho é velho por excelência!
Cabe-nos a tarefa de semear centeio
Mais que a conta pra evitar carência
E de aproveitar a fresta concedida
Pra arejar ideias e pôr mãos à obra,
Certos que a mudança é a lei da vida!
Quiçá Chave seja questão de manobra!
E com cautela enfrentamos a ferida
Que por via de não sarar soçobra!
© Ró Mar
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"Que por via de não sarar soçobra"
E perde o nexo, não mais faz sentido
A chaga aberta que tanto nos cobra
E a porta que se fecha sem ruído.
Porém nem tudo é negro e já recobra
O bicho-homem que andava perdido
Nos labirintos em que se desdobra
Depois de ter chorado e ter sofrido;
A Chave anda desfeita em mil pedaços
Mas há recursos, muito embora escassos,
Para a colarmos juntos, peça a peça
Nesse sentido se vão dando passos
E até os egoístas criam laços
Pra restaurar-se a Chave mais depressa.
© Maria João Brito de Sousa
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"Pra restaurar-se a chave mais depressa"
Esqueceram de tratar da fechadura
Que já antes rangia na travessa
Onde entraria a chave mais segura.
A vida é causa e efeito, relação
Que urge descobrir com segurança,
Para, no futuro, qualquer reparação
Não ser motivo para nós de esperança.
Andam os homens a inventar ciência
De onde é sabido renascer experiência
Para a humanidade evoluir...
Mas, se a chave na ciência se encontrar,
Será a fechadura a comandar
A forma como a chave vai abrir.
© Laurinda Rodrigues
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“A forma como a chave vai abrir”
Terá talvez a formula secreta
Que nem todos, igual irão sentir,
Que em si a mesma chave se completa
Um dia, longe ou perto, há-de haver meta
Que, da achar, não iremos desistir
Enquanto houver um canto do planeta
Disposto a dar-nos força e, conseguir
Que haja chave que a todos desencarcere
Pró tempo em que há sorriso que sugere
Ser o abraço a melhor chave da vida
Que é nele que se alcança paz e amor
E em cada dia nasce nele a flor
Da esperança que queremos renascida
© MEA
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"Da esperança que queremos renascida"
Em cada um e em todos em conjunto,
Vamos vivendo a nova e estranha vida
Que faz da Chave o principal assunto
E à busca mais ou menos conseguida
Soma-se uma lembrança; algum defunto
Tombado antes da hora da partida,
Antes de tudo quanto aqui pergunto:
Onde encontrar a Chave, a salvação,
Essa que eu sinto que nasce do chão
C`oa força imensa das plantas bravias?
E enquanto alguns de nós caindo vão,
Outros fazem das tripas coração;
"Contam-se os meses não sabendo os dias".
© Maria João Brito de Sousa
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Autores de Coroa de Sonetos "A CHAVE":
Maria da Encarnação Alexandre [MEA], Ró Mar,
Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues.
Horizontes da Poesia | 2020/07/03
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COROA DE SONETOS "A CHAVE":
Video de Cida Vasconcellos
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COROA DE SONETOS "A CHAVE":
Video de Cida Vasconcellos