domingo, 28 de junho de 2020

BIBLIOTECA


BIBLIOTECA


Subo as escadas da biblioteca
Numa avidez de querer chegar ao céu
Na incerteza e lucidez de quem peca
No pecado mortal que em mim apareceu.

Subo com medo! De lá encontrar
Palavras duras, livros velhos e sábios
Romances nossos e corpos por amar
Na sensualidade exótica dos teus lábios.

Subo as escadas com o natural receio
De quem vai ao encontro do desconhecido
A beleza do teu corpo que do nada veio

Para se tornar pecado, desejado apetecido.
Ganho coragem e subo devagar, devagar!
A esse espaço onde está o verbo amar.

P´LOS MARES D´EL REI


P´LOS MARES D´EL REI


Ah, aos céus subi e ali sobrevoei!
Quantas perlas contei e mais do que não vi,
Singelo olor senti e minh´alma casei!
Versos imaginei e sei que foi por ti!?

Quanta mestria li na palete do Rei!
Minh´alma encantei, o poema vivi
E os astros dali de cor cáqui pintei,
Tela que assinei dum anil que senti!

As mágoas perdi aquando o reencontrei
E p´los mares d´ El Rei alva luz recebi!
O beijo esculpi nas asas que lhe dei!

Qu´ importa se sonhei, amei-o e senti!
Ah, tanto qu´ aprendi! Utopia!? Não sei!
Sei que enquanto voei a terra adormeci.

domingo, 21 de junho de 2020

SONHO AO AMANHECER

 

SONHO AO AMANHECER


Na noite este ar silente, quietude
traz-me a tua imagem no momento
e fica presa em mim, em pensamento
num abraçar sereno de virtude...

Vens até mim e vives emoções
qual vez primeira em que o nosso amor
espalhe em nossas almas o calor
pulsado pelos nossos corações!

É de magia a liana que nos prende
neste raiar da aurora que já espreita
doce bailar de amantes possuídos...

Pois o amor é assim , ninguém entende
como a larga ausência se fez estreita
sonhando nossos corpos tão unidos!

domingo, 7 de junho de 2020

ALMA DE ESCRITOR


Ilustração obra de: Charles Edward Perugini


ALMA DE ESCRITOR


Senta-te à sombra duma árvore ancestral.
Lê todos os poemas que prendi ao tempo,
Desperta a sensibilidade do teu ser mortal.
Embriaga-te nos versos de encantamento.

Estrofes que quis prender ao papel escrito,
Pensadas com máxima e sábia eloquência.
Desejam revelar ao teu ser, humano, finito,
A beleza, contida na sua erudita essência.

Ah! Se enquanto estiveres com calma a ler,
Cair sobre teu corpo uma divina e frágil flor.
É o preludio mágico do que gostei, escrever,

Tem a matriz sublime de divino esplendor,
Então! Continua lendo, mergulha no prazer!
E, desvenda assim, minha alma de escritor.

NÃO ME FALTEM AS PALAVRAS




NÃO ME FALTEM AS PALAVRAS


Não sei até quando as palavras nascerão
para alimentarem esta sede e fome
sôfrega, de torrentes de ilusão
que estimulam este ardor que me consome!

Fascinam-me naqueles silêncios que falam
nos gritos que clamam súplicas de amor
nas dolorosas vozes que sempre calam
naquelas ausências que trazem a dor!

Que não me faltem as palavras perfeitas
luminosas, enfeitadas de luar
serenas para o olhar descansar!...

enquanto por mim elas forem eleitas
para cantar todo o amor sem cessar
que nasçam sempre comigo, ao acordar!

REVELAÇÃO




REVELAÇÃO


Surgiu subitamente este querer
e se houvesse na vida tal escaninho
que pudesse conter este carinho
amor: era impossível perecer!

Como, do rio, o leito não suporta
a água que engrossou seu caudal forte
vai transbordando, nesta triste sorte
este sentir que a vida não comporta...

Então sucederão os ledos prados
pela seiva de amor alimentados
tomarão vida em seu etéreo ninho...

aí, amor, eu falo-te dos montes
cantarei para ti das frescas fontes
beijo teus pés nas pedras do caminho.

"CINCO QUINAS"


Foto de Ró Mar


"CINCO QUINAS"


Esta terra soa a fado atraiçoado,
Quis o destino trinar noutro condado,
Lá vai a guitarra de mão-em-mão,
Dedilhando o cansaço duma nação!

Esta terra de tão nobre tradição
Não deixa de ser a boa portuguesa...,
Freguesa farta (pão/ vinho), coração
De filigrana com toda a certeza

Esta terra é saudade em todo o canto,
Amália d' ouro voz e negro manto
O fado a "Cinco Quinas" condecorou! 

Esta terra é original/ imortal, 
Não há traição que vença Portugal,
Nem o fado que o povo tanto amou!

© Ró Mar 

sexta-feira, 5 de junho de 2020

MOMENTO


Imagem: Bellissime Immagini 


COROA DE SONETOS 


Autores: Maria João Brito de Sousa, Laurinda Rodrigues, 
               Maria da Encarnação Alexandre, 
              José Manuel Cabrita Neves e Ró Mar.

*****

MOMENTO


I

Momento. Que pensar de um mero instante
Que é volátil, fugaz e, mal começa,
Já passou, já vai longe e tão depressa
Como se houvera pernas de gigante?

 Impulso que nos leva por diante
E que, ao ser evocado, não regressa?
Torrente que não pára porque avessa
A um tempo pausado e diletante?

Escrevo M e o momento já passou,
No O outro momento despontou
Para esfumar-se mal retomo o M...

Momento é o que o tempo condenou
À efemeridade que não teme;
Quem o tentar prender, já fracassou.

II

"Quem o tentar prender, já fracassou",
O Tempo não se prende: o tempo é nada
Aquele nada que o relógio demarcou
Como sendo a partida e a chegada.

Cheios de medo, os humanos do planeta
Julgam que o tempo lhes conduz a vida
E que lhes marca o tempo de estafeta
Num processo acelerado de corrida.

Quem ousa confrontá-lo com humor
Conhecendo que, ao sentirmos dor,
Apenas é um jogo que brincamos?

Parece louco o que, chorando, ri
E trazendo o prazer dentro de si
Amaldiçoa o tempo que passamos.

III

"Amaldiçoa o tempo que passamos"
Quem desconhece a vida, ou muito a teme;
Bendiz o tempo quem segura o leme
Desta barca da vida em que embarcamos.

Sob um sol que se esconde nos deitamos
Esperando que outro alguém acorde e reme
Em direcção à terra que em nós freme
Enquanto a essa terra não chegamos.

Momentos? Horas? Dias? Quantos meses
Passaram já por nós? Quantas as vezes
Que a nossa barca quase naufragou?

Que monstros enfrentámos? Que rochedos
Se ergueram pressentindo os nossos medos
De um mar que, num momento, se acalmou?

 IV

"De um mar que, num momento, se acalmou"
Entre uma onda e, outra que se espraia
Indo noutro momento dar à praia
E já mais outra onda lá chegou.

Que no mar o momento já passou
E antes que o pensamento no mar caia
E a onda que se alonga a mim me traia
Deixo cada momento que ao mar dou

E por cada momento o sol se deita
Em branco lençol de onda já desfeita
Ora no azul das águas ondulantes

Momentos, só momentos! Tantos são,
Sem podermos guardá-los numa mão
Que todos eles são feitos de instantes.

V

"Que todos eles são feitos de instantes",
Fragmentados no tempo que decorre,
Enquanto um tempo nasce, um outro morre,
Em pequeninos nadas galopantes…

Como uma gota a gota lenta corre,
Ou a luz das estrelas cintilantes,
São pequenas milésimas constantes,
Que lentamente o mostrador percorre…

O tempo não tem tempo nem idade,
Apenas deixa marcas de saudade,
Nas memórias de nós intemporais!

Às vezes passa o tempo tão veloz,
Como o vento que leva a nossa voz,
Mas depois de partir, não volta mais!...

VI

"Mas depois de partir não volta mais"
Podendo, ou não, deixar-nos mergulhados
Em momentos saudosos e magoados,
Ou alegrias incondicionais.

Outros momentos neutros e banais
Passam por nós sem serem detectados
E também esses correm apagados
Pelos que foram mais emocionais.

Cada percurso, disto se compõe,
E se de algum momento alguém dispõe,
Pode o tempo pregar-lhe uma partida,

Invertendo o sentido ao tal momento
Que cozinhado fora em fogo lento
No forno instável duma humana vida.

VII

"No forno instável duma humana vida"
Cozinham-se momentos mal passados
E outros que nem sequer são cozinhados
Por momentos perdidos em corrida

Que a nossa vida é a despedida
Que passa entre momentos alternados
Ora de pousio ora de obrigados
Até que a própria vida é proibida

Sem que saibamos qual é o momento
Nem qual é o lugar de acampamento
E vamos de viagem sem regresso

Deixámos os momentos, que ocupámos
Em veloz movimento, quando amámos
Quantas vezes até em vão sucesso.

VIII

"Quantas vezes até em vão sucesso",
Olhamos para além do que ficou,
Que à palma de uma mão se confinou
E já, porque passou, não há acesso…

Incessante o ponteiro não parou,
Pois e talvez por isso eu envelheço,
Sempre que sem parar eu recomeço,
Dizendo adeus ao tempo que passou!

Cada momento chega e logo vai,
Gravando na memória o que não sai,
Se de facto afectou o sentimento!

Assim a vida são pequenos nadas,
São parcelas de conta inacabadas,
Que voltam na lembrança ao pensamento!...

 IX

"Que voltam na lembrança ao pensamento"
Da forma recorrente, habitual,
Que temos de a nós mesmos dar sinal
Da nossa plenitude ou sofrimento.

Podemos condensar num só momento
E numa imagem bi-dimensional
A vida inteira nesse ecrã mental
Que em nós trazemos desde o nascimento.

Qual novelo de lã, se um fio puxamos
Ao momento acabado de evocar,
Tempos sem fim, por fim, desenrolamos

No que tão só pensámos recordar
E quanto mais puxarmos, mais ganhamos,
Mais perto estamos de nos encontrar.

X

"Mais perto estamos de nos encontrar,"
Com boas memórias e outras não!
Saudades do que vivi quero recordar,
Aceleram o meu pobre coração!

Razões que dão mote mais além
Duma certeza de viagem passageira,
Por uma terra minha e de ninguém,
Enquanto eu não couber na bagageira!

Prestigiando o breve tempo outonal
Passo meu vento adentro da tolice
Momentânea e concebo o intemporal!

Cousa de nada, meu temperamento
Ditando o quão bela é a velhice,
Num instante de luz pelo barlavento!

XI

"Num instante de luz pelo barlavento"
Há rostos que se vêm de passagem
Não fosse de passagem a viagem
E a viagem apenas um momento

Onde mais um dia é o acrescento
A esta delirante aprendizagem
Em que a luz é apenas a mensagem
Que se faz ler em cada pensamento

Que no momento cerca a embarcação
Fazendo-se ao mar alto, no mar chão
Levando para longe os que findaram

Outros ficam na história que se escreve
Como um momento já passado e breve
Mas que muitos sequer iniciaram.

XII

"Mas que muitos sequer iniciaram",
Senão em pouco mais que um breve instante,
Gerado em pensamento circunstante,
Das interrogações porque passaram…

Embrenha-se no espaço o ser pensante,
Tentando simular que ali pararam,
As ideias que à mente se ofuscaram,
Deixando o que era claro, vacilante…

Pensando bem no tempo, na verdade,
Um ai pode durar uma eternidade,
Na memória da dor que o ai causou!

Porém o tempo é estático e não passa,
Nós sim é que vivemos nesta escassa,
Trajectória de vida que passou!...

 XIII

"Trajectória de vida que passou"
Além oceano na barca das tréguas,
Acontecimento que fez história, léguas
P'lo eterno beijo que ao céu chegou!

Todos os heróis nesta breve viagem
Têm medalha honorifica à despedida
E a porta folgada para a outra vida,
Azul eterno duma mera miragem!

Outros são marinheiros d' água doce,
Quedaram! Não ousaram desbravar o mar
A qualquer momento, fosse que tempo fosse!

Os momentos são fenómenos inéditos
Que nos marcam, capazes d' identificar
Todos os rostos, vitórias e tormentos!

XIV

"Todos os rostos, vitórias e tormentos"
Que cada um de nós vivenciou
Durante todo o tempo que passou
Tecendo a sua corda de momentos,

Somando as gargalhadas aos lamentos
E os sonhos ao que a vida lhe negou,
Não deixando esvair-se o que sobrou
De si, dos seus mais belos sentimentos.

Tecendo a corda desta minha vida,
Já perto do momento da partida
Que a cada dia está menos distante,

Sei bem que de momentos foi tecida
E também por momentos é medida;
Momento. O que pensar de um mero instante?

*****

COROA DE SONETOS : "MOMENTO"

I, III, VI, IX, XIV - Maria João Brito de Sousa
II - Laurinda Rodrigues
IV, VII, XI - Maria da Encarnação Alexandre [MEA]
V, VIII, XII - José Manuel Cabrita Neves 
X, XIII - Ró Mar

Horizontes da Poesia | 2020/06/05