terça-feira, 10 de junho de 2014

LUÍS VAZ DE CAMÕES/ SONETOS


Imagem - Andries Pauwels: Busto de Camões, século XVII.


LUÍS VAZ DE CAMÕES 

O MAIOR POETA DE LÍNGUA PORTUGUESA 

UM DOS MAIORES SONETISTAS 


Amor é um fogo qu'arde sem se ver


Amor é um fogo qu'arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente,
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer,
É um andar solitário entre a gente,
É nunca contentar-se de contente,
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade,
É servir a quem vence o vencedor
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões


Alma minha gentil, que te partiste


Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões


Que modo tão sutil da Natureza


Que modo tão sutil da Natureza,
para fugir ao mundo e seus enganos,
permite que se esconda, em tenros anos,
debaixo de um burel tanta beleza!

Mas esconder-se não pode aquela alteza
e gravidade de olhos soberanos,
a cujo resplandor entre os humanos
resistência não sinto, ou fortaleza.

Quem quer livre ficar de dor e pena,
vendo-a ou trazendo-a na memória,
na mesma razão sua se condena.

Porque quem mereceu ver tanta glória,
cativo há-de ficar; que Amor ordena
que de juro tenha ela esta vitória.

Luís de Camões


Julga-me a gente toda por perdido


Julga-me a gente toda por perdido
vendo-me, tão entregue a meu cuidado.
andar sempre dos homens apartado
e dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido
e quase que sobre ele ando dobrado,
tenho por baixo, rústico, enganado,
quem não é com meu mal engrandecido.

Vão revolvendo a terra, o mar e o vento,
busque riquezas, honras a outra gente,
vencendo ferro, fogo, frio e calma;

que eu só, em humilde estado, me contento
de trazer esculpido eternamente
vosso fermoso gesto dentro n'alma.

Luís de Camões